1. Apreciando algumas cartas literárias e compreendendo o contexto no qual elas foram produzidas:
Professor/a: a seguir selecionamos duas cartas de Henfil que fazem parte do roteiro do filme Cartas da mãe e a 'carta falada' de autoria de Chico Buarque de Holanda, todas elas foram produzidas durante o período em que vigorou o regime de ditadura militar em nosso país.
Um bom exercício para as disciplinas de História e Sociologia é explorar tais produções literárias como documentos históricos, analisando as representações sobre o período feitas por artistas com perfis ideológicos como os de Henfil e Chico Buarque e como eles fizeram uso de sua arte para se opor ao regime militar.
Para auxiliar o seu trabalho produzimos pequenas notas para as referências citadas na segunda carta de Henfil, selecionada para explorar tais referências. Ao lado de cada documento, reproduzimos um quadro com alguns comentários que julgamos pertinentes para contextualizá-los.
São Paulo, 1º de setembro de 1978.
"Eu nunca soube amar. Eu nunca soube amar a cada um. Eu nunca soube amá-los como indivíduos. Eu nunca soube aceitá-los como feios, fracos e lentos.
Tragam-me um doente e não chorarei com ele. Mas me mostrem um hospital e derramarei rios e mares.
Eu não sei falar e ouvir um homem, uma mulher ou uma criança. Eu só sei fazer coletivo, massa, povo, conjunto.
Sou capaz de ser herói, mas não sou capaz de ser enfermeiro. Sou capaz de ser grande, mas não sou capaz de ser pequeno.
Eu nunca dei uma flor. Nunca amei uma pessoa. E tenho amor. Dou desenhos, dou textos, escrevo cartas. Sem contato manual, sem intimidade, sem entregar.
Por que desenho, por que escrevo cartas? Minha arte é fruto da minha importância de viver com vocês.
Um dia, vou rasgar o papel que escrevo, rasgar o bloco que desenho, rasgar até esse recado covarde e vou me melar e besuntar com vocês, tudo com meu grande beijo. Vocês vão me reconhecer fácil: vou ser o mais feliz de vocês.
Henfil"
São Paulo, 26 de dezembro de 1979.
Mãe,
Aqui estou eu, em mais um Natal, fazendo desta carta meu sapato colocado na janela.
Eu fui bom este ano, mãe. Eu acho que fui muito bom. Eu fui solidário com todos os meus irmãos Betinhos. Fiz greve com todos os Lulas. Quebrei Belo Horizonte como todos os peões. Voltei pro país que me expulsou como todos os Juliões .
Dei murro em ponta de faca como todos os Marighellas . Cantei as prostitutas, as mulheres de Atenas e joguei pedra na Geni como todos os Chicos Buarques. Aspirei cola como todos os pixotes . Fui negro, homossexual, fui mulher. Fui Herzog , Santo Dias e Lyda Monteiro .
Fui então muito bom este ano, mãe.
Aqui está minha carta sapato.
Vou fechar os olhos, vou dormir depressa. Esperando que meia-noite todos entrem pela minha janela. Me façam chorar de alegria, que eu quero viver!
A bênção,
Henfil
Meu Caro Amigo (1976)
(Composição: Chico Buarque / Francis Hime)
Meu caro amigo me perdoe, por favor
Se eu não lhe faço uma visita
Mas como agora apareceu um portador
Mando notícias nessa fita
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu não pretendo provocar
Nem atiçar suas saudades
Mas acontece que não posso me furtar
A lhe contar as novidades
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
É pirueta pra cavar o ganha-pão
Que a gente vai cavando só de birra, só de sarro
E a gente vai fumando que, também, sem um cigarro
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu quis até telefonar
Mas a tarifa não tem graça
Eu ando aflito pra fazer você ficar
A par de tudo que se passa
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita careta pra engolir a transação
E a gente tá engolindo cada sapo no caminho
E a gente vai se amando que, também, sem um carinho
Ninguém segura esse rojão
Meu caro amigo eu bem queria lhe escrever
Mas o correio andou arisco
Se me permitem, vou tentar lhe remeter
Notícias frescas nesse disco
Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
A Marieta manda um beijo para os seus
Um beijo na família, na Cecília e nas crianças
O Francis aproveita pra também mandar lembranças
A todo o pessoal
Adeus
2. Elaborar cartas literárias sobre a realidade brasileira
No site Porta Curtas você encontra o roteiro do curta Cartas da mãe com todas as cartas narradas neste curta.
Proponha a leitura de algumas delas para que os alunos observem que aspectos da realidade nacional chamavam a atenção de Henfil.
Retome a fala de Laerte que conta que Henfil os convidava para programas do tipo 'funarte' e do tipo 'funai', um modo brincalhão do cartunista de apresentar o Brasil da cultura letrada e da cultura popular aos cartunistas iniciantes para estimulá-los a olharem ao seu redor, a observarem e registrarem em suas charges um Brasil pouco observado e bastante censurado na visão oficial do regime ditatorial.
Depois, ao estilo das Cartas da mãe de Henfil, proponha a redação de cartas literárias sobre o cotidiano político e social do nosso país na atualidade. Para publicá-las, estimule a turma a criar um blog. Para construir um blog, os alunos podem utilizar os sites que oferecem gratuitamente serviços de blogs em língua portuguesa como o blogger e o wordpress.
3. Elaborar cartas críticas à imprensa corporativa ou à mídia alternativa
Durante o período em que a ditadura militar vigorou no Brasil (1964-1985), intelectuais, artistas, líderes sindicais, estudantis e camponeses, especialmente os de orientação ideológica de esquerda lutaram contra a censura e pela liberdade de expressão em nosso país.
Hoje, vivemos uma democracia política na qual a liberdade de expressão é garantida pela Constituição. Mas, por vezes, em nome da liberdade de expressão (e de imprensa), a mídia corporativa ou a chamada grande imprensa comete abusos que já destruíram reputações de pessoas ou instituições expostas em escândalos. De modo geral, mesmo que consigam provar que eram inocentes das acusações, pessoas e instituições atingidas e difamadas não contam com o mesmo espaço na mídia para desmentirem os falsos escândalos divulgados irresponsavelmente pela imprensa e recuperarem sua imagem pública.
Outro aspecto complicador desse quadro é o fato de que os meios de comunicação em nosso país estão sob controle de pouquíssimos grupos que monopolizam emissoras de rádio e televisão, jornais impressos e portais na Internet:
"(...) a imprensa acabou por se transformar num grande negócio. Os principais jornais passaram a fazer parte de conglomerados empresariais com interesses econômicos e políticos e, eles próprios, se constituíram em atores importantes na disputa pelo poder nas sociedades de Estado democrático. A ameaça à liberdade de expressão passou a vir não somente do poder do Estado, mas também do poder desses grandes conglomerados. Essa nova realidade possibilitou, em alguns casos, o que se chamou de "privatização da censura", de "jornalismo sitiado", e levou, inclusive, à inclusão de critérios de concentração econômica nos índices de avaliação da liberdade de imprensa em países democráticos." LIMA, Venício A. de. 'O cidadão e a liberdade de imprensa', 18/03/2008. Disponível em: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=477JDB002
Que conseqüências esse monopólio gera para a comunicação, para a veracidade das notícias publicadas, para a democratização da informação?
Será que no cenário político atual podemos afirmar que existe uma imprensa neutra, sem interesses políticos e/ou partidários? Será que não existe mais oposição ideológica entre esquerda e direita? O que entendemos por esta expressão?
As expressões 'esquerda' e 'direita' ganharam significado político no contexto das revoluções liberais do século XVIII, especialmente após a Revolução francesa. Na Assembléia parlamentar francesa, a bancada que ficava à esquerda do presidente da assembléia era formada por um conjunto de membros que lutam por idéias avançadas, em oposição aos membros que se sentavam à direita e defendiam a conservação dos valores e do status quo vigentes.
Na câmara e no senado dos E.U.A., os democratas (tidos como menos conservadores) sentam-se à esquerda, e os republicanos (tidos como mais conservadores), à direita.
Com o passar do tempo a expressão 'esquerda' passou a denominar o conjunto dos indivíduos de uma nação, ou mesmo de uma comunidade supranacional, que acreditam na superioridade dos regimes socialistas ou comunistas sobre outras formas de organização econômico-políticas, especialmente a do capitalismo. Os que defendem o regime capitalista, o mercado como regulador de tudo são denominados pelos primeiros de conservadores, membros da direita e, na atualidade, de 'neoliberais'. Os que se vêem como 'esquerda' defendem a intervenção do Estado na economia, advogam que é dever do Estado prover o bem-estar dos cidadãos e têm como uma de suas principais metas acabar com as desigualdades sociais inerentes ao regime capitalista.
Considerando as discussões anteriores, proponha à turma uma pesquisa sobre a mídia alternativa presente na blogosfera brasileira (veja sugestão de alguns sites no item Para saber mais) e, em grande parte, declaradamente de esquerda.
Oriente os grupos a selecionar alguns desses blogs para leitura e análise de artigos políticos e de opinião sobre um tema específico. Oriente-os a pesquisarem também o mesmo tema em artigos publicados nos blogs e sites da imprensa corporativa para que possam comparar as abordagens e perceberem diferenças e/ou semelhanças nelas.
Finalmente, sugira que formulem uma opinião pessoal sobre o que leram e se desejarem que redijam comentários críticos sobre os artigos veiculados pela mídia (corporativa ou alternativa) e os envie aos autores cujos artigos provocaram a redação dos comentários críticos.