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Os anões e a história


Plano de Aula do Filme Criaturas que Nasciam em Segredo | Documentário | De Chico Teixeira | 1995 | 21 min | SP


1. Pra começo de conversa:
"Eu sou de uma terra que o povo padece,
mas nunca esmorece, procura vencer.
Da bela cabocla de riso na boca
olha pra fome e pergunta o que há...
Eu sou brasileiro, sofri no Nordeste,
sou cabra da peste sou do Ceará."
(Trecho adaptado de Cabra da Peste, Patativa do Assaré, citado por João de Araújo)
Na voz de João, um dos protagonistas do documentário Criaturas que Nasciam em Segredo, os versos recriados do poema Cabra da Peste, de autoria do poeta
cearense Patativa do Assaré, ganham ainda mais força. Pois não é fácil sobreviver em um mundo feito para pessoas com mais de 1,50 m quando se mede bem menos de 1,30 m e é muito difícil resistir a todas as dores físicas e psicológicas a que grande parte dos portadores de aconplasia é submetida.
Aconplasia é um termo de origem grega e significa "sem formação de cartilagem". É uma doença que provoca a atrofia dos membros, característica comum nos anões. Ela pode ser causada por mutação ou herança genética (um dos cromossomos provenientes do pai ou da mãe carrega o nanismo e o bebê herda esta característica). Seja qual for a causa, o nanismo ocorre se durante a gestação houver uma variação na ossificação das cartilagens do feto, prejudicando o desenvolvimento dos membros. Um a cada 15 mil recém-nascidos podem portar nanismo rizomélico ou aconplasia.
São muitos os desafios a serem enfrentados durante toda a vida por um aconplásico/a, ou portador/a de nanismo ou mais conhecido/a como anão/ã.
Além do déficit físico da estatura, todo o desenvolvimento ósseo dos portadores de aconlasia é prejudicado e, na maioria dos casos, eles são obrigados a passar por inúmeras cirurgias para conseguir sobreviver.
O crescimento e fortalecimento ósseo que ocorrem naturalmente nos bebês sem esta doença, não ocorrem nos bebês aconplásicos. Desde seus primeiros anos de vida são obrigados a passar por verdadeiras provações para sobreviverem.
Além de problemas respiratórios, odontológicos, de obesidade, dos grandes danos causados por febres difíceis de ser debeladas, os aconplásicos enfrentam problemas relacionados à compressão e/ou desvios da coluna vertebral, como a cifose, escoliose e lordose e outros relacionados aos ossos e articulações, como a artrose.
Formar a musculatura de sustentação da cabeça, as rótulas do joelho e todos os ossos e músculos necessários para a postura ereta e para caminhar são desafios consideráveis para bebês aconplásicos e seus pais.
Matt Roloff, o protagonista do programa Pequena Grande Família, uma espécie de reality show que mostra o cotidiano de um casal de anões estadunidenses e seus quatro filhos, um deles também anão, já realizou quarenta cirurgias ao longo de sua vida.
Mas todos os anões sabem que esses imensos e dolorosos problemas de saúde são apenas parte dos demais desafios e de todos os outros obstáculos que precisam vencer em um mundo que foi pensado para indivíduos com estatura muito acima de 1,30 m.
Os anões, apesar de conseguirem se locomover, sem ajuda de cadeira de rodas,enfrentam obstáculos comuns aos cadeirantes: degraus altos demais para o comprimento de suas pernas botões de elevador, interfones de portaria de prédios, campainhas, interruptores, saboneteiras e porta-toalhas de lavatórios de banheiros públicos, todos posicionados fora do alcance das pessoas com menos de 1,30 m de altura e com braços curtos, falta de transporte coletivo adaptado, caixas eletrônicos, telefones públicos e outros sem adaptação.
Tudo isso oferece muitos desafios às pessoas de baixa estatura, portadoras de nanismo que por não contarem com ações, por vezes simples, voltadas para acessibilidade vêem, com freqüência, sua autonomia e o
direito de ir e vir cerceados.
Se tudo isso fosse pouco, o imenso preconceito causado pelos padrões de beleza restritos, estabelecidos e aceitos, sem críticas, em nossa sociedade dificultam ainda mais a vida dos anões.

"Aconlasia", Comitê de Genética - Gestão 2004-2006 - 20/12/2004. Disponível em
Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro- SOPERJ:
e Os anões e a exclusão social.
6 Leia o comovente e corajoso relato de Odila Serfert da Silva Pottes (Londrina, 24 de agosto
de 2004), mãe do publicitário Hélio Pottes, fundador da Gente Pequena do Brasil, primeira
associação brasileira voltada para os anões e para esclarecer a sociedade sobre o nanismo no
site oficial desse publicitário: < http://www.ser.anao.nom.br/ >. Acesso 22 mai. 2008.
7 O reality show consiste no acompanhamento por câmeras durante 10 horas por dia e num
período de seis meses do cotidiano da família Roloff que vive em Portland no Oregon. Além de
conhecermos o relacionamento dos membros da família anões e não anões, podemos a todo
tempo ver as dificuldades e superação de Matt Roloff, sua esposa e um dos gêmeos
adolescente que também é anão diante da execução de tarefas simples para o mundo adulto
como fazer compras em um supermercado ou dirigir um carro.




Objetivos
Conhecer o que é e como ocorre a aconlasia
conhecer como os anões foram vistos e representados em alguns períodos da História
estimular o respeito à diversidade e à diferença e combater o preconceito
conhecer os direitos que devem ser garantidos aos cidadãos portadores de nanismo
valorizar o cuidado com a saúde mental e corporal
ser solidário/a à luta dos aconplásicos pela garantia de seus direitos.

Situação Didática
2. Antes e depois da seção de cinema

"Eu quero mostrar ao povo o jeito que eu sou.
Porque cada um nasceu como Deus quis.
Uns grandes, uns pequenos, outros assim."

José P dos Santos (Pingüim) in: "Criaturas que nasciam em segredo")

Professor/a, antes de iniciar a seção de cinema, antecipe o tema tratado pelo documentário e ofereça algumas informações sobre o que é, como se adquire e quais as dificuldades a serem enfrentadas por um/a portador/a de nanismo. Esses cuidados limitarão de antemão as manifestações de preconceitos, nascidas do desconhecimento sobre a aconplasia.

No documentário Criaturas que nasciam em segredo as narrativas textual e imagética são organizadas pelo diretor de modo a construir um discurso coerente sobre 'ser anão'. Por meio das vozes-off de Paulo José e Tata Guarnieri, da iconografia apresentada pelas pinturas e fotografias e dos depoimentos dos anões protagonistas sobre suas dificuldades de acessibilidade, os preconceitos do passado e presente em relações a eles, sua sexualidade, por vezes, associadas a fetiches, suas dores e estratégias de resistência para vencer os preconceitos e dificuldades impostas.

Curiosamente o título escolhido pelo diretor, paulatinamente é ressignificado pela visibilidade dada aos anões e ao resgate de sua humanidade em toda a sua plenitude.

Durante a seção, chame a atenção para a iconografia que retrata as cortes européias da Renascença e do Antigo Regime, selecionada pelo diretor para ilustrar as cenas do documentário enquanto a voz-off de Paulo José narra a relação entre a nobreza e os anões bufões naqueles períodos.

Estimule os alunos a atentar também para o primeiro depoimento de João Araújo, o Castelinho, que trabalhou como copeiro em uma prefeitura. Para o prefeito, a condição de quase 'invisibilidade' do anão João poderia servir como instrumento útil ao político. Segundo João, ele servia ao prefeito como seus 'olhos e ouvidos'. Em certo sentido o depoimento de João reafirma o papel político dos bufões nas cortes européias.

Chame a atenção para as fotografias em preto e branco, algumas do século XIX, retratando cenas do teatro de variedades intercaladas aos depoimentos dos anões sobre as dificuldades que ainda enfrentam na atualidade diante da curiosidade mórbida daqueles desejam espetacularizar seu déficit de altura:

"Um amigo da minha mãe vinha em casa e ficava de
campana, pra conseguir tirar uma fotografia minha.
Um dia, ele disse pra minha mãe: 'A senhora pode ganhar muito dinheiro com a sua filha', e minha mãe falou que eu não era mercadoria." (Depoimento de Joceli Lopes, "Jô").

Estimule também o olhar dos alunos para os esforços, por vezes, bem sucedidos, de todos os protagonistas anões do documentário em levar uma vida regular, evitando que o déficit de altura e os problemas advindos dele, assim como os preconceitos sociais, impeçam-nos de amar, trabalhar, constituir família, desenvolver seus talentos e potencialidades.

Destaque a superação até mesmo daqueles que usam a baixa estatura como meio de vida, invertendo uma relação histórica de exploração da figura do anão, tornando-se sujeitos da ação, como no depoimento de José P dos Santos, o palhaço Pingüim:

"A maior alegria da minha vida é o circo.
Quando a gente tá na cortina e o circo cheio gritando meu nome,
eu sinto no coração aquela coisa extraordinária,
doido pra entrar e ver aquele público levantar e me aplaudir,
porque eu sou o único baixinho que os caras levantam pra ver.

(Depoimento de José P dos Santos, o palhaço de circo Pingüim)

Depois da seção debata as impressões dos estudantes sobre as dificuldades e os preconceitos que os anões são obrigados a enfrentar e a superar na sociedade em que vivem.
Destaque que nós também fazemos parte e somos co-responsáveis para a manutenção ou combate dos preconceitos, que cidadãos comprometidos com a justiça social e os direitos civis devem apoiar solidariamente as ações e as lutas de anões e cadeirantes que, como argumentamos anteriormente, enfrentam problemas bastante semelhantes aos dos anões devido à falta de acessibilidade nos transportes e locais públicos das cidades brasileiras.

Proponha questões à turma, por exemplo:

 "Como vocês tratam as pessoas pequenas (os anões)?
 Como elas devem ser tratadas?
 Será que o preconceito em relação aos anões, que podemos constatar na atualidade, sempre existiu em todas as culturas?
 Que tipo de ações nós que não somos portadores de nanismo podemos cobrar junto ao poder público para garantir os direitos aos aconplásicos?
 Será que os anões brasileiros são organizados em associações para defesa de seus direitos?

Todas estas questões serão discutidas nos próximos itens. Se achar pertinente proponha uma pesquisa para ampliar o conhecimento dos alunos sobre como os aconlásicos foram vistos e tratados ao longo da história e estimule a pesquisa na internet sobre o assunto.
3. Conhecendo um pouco sobre a acronlasia ao longo da história

"Houve tempos em que os anões eram reverenciados como deuses, depois foram confidentes e conselheiros na corte. Posteriormente, foram ridicularizados como bobos da corte e desde então somos marginalizados. Mas a sociedade precisa entender o que é o nanismo, nossas dificuldades e reais diferenças."

Hélio da Silva Pottes, publicitário, portador de nanismo, em entrevista para a AME (Amigos Metroviários dos Excepcionais).

A Aconplasia é uma das doenças de nascença mais antigas já registradas pela humanidade.

Escavações arqueológicas no Reino Unido encontraram um esqueleto aconplásico de cerca de 7.000 anos.

Pesquisas no norte do continente africano mostram que essa doença já se manifestava nesse território desde o período pré-dinástico do Egito.

Estudando fósseis de anões de cerca de 4500 a.C. e também do Antigo Império, entre 2700 e 2190 a.C. pesquisadores surpreenderam-se com a quantidade de descobertas arqueológicas sobre indivíduos aconlásicos e sobre o tratamento que a sociedade egípcia dava a eles.

Foi entre a IV e a V dinastia do Antigo Império egípcio que viveu o nobre Seneb, sua esposa e um casal de filhos. Seneb era encarregado do guarda- roupa real e desempenhava a função sacerdotal nos cultos funerários. Sua mulher, Senêtitas, era sacerdotisa dos deuses Hathor e Neith.

Observe, atentamente, a fotografia da escultura encontrada no túmulo de Seneb:

http://www.richard-seaman.com/Travel/Egypt/DwarfSenebAndFamily.jpg

Você reparou como o escultor representou Seneb e sua família?

Ele o retratou com pele mais escura (usando tinta vermelha), assim como ao seu filho, enquanto a esposa e a menina com aspecto mais pálido. Esse recurso era o modo de os artistas egípcios mostrarem que o sexo feminino, naquela sociedade, vivia mais tempo em ambientes fechados, portanto tinha a pele mais clara, enquanto os homens, que circulavam mais pelos espaços públicos, tinham a pele escurecida pelo sol.

As crianças também são representadas de acordo com a convenção da arte egípcia: nuas (para indicar que estavam na primeira infância) e com o dedo na boca.

Sua mulher foi retratada com uma expressão serena e seu braço direito abraça o marido, o gesto da esposa é uma demonstração de afeto em relação ao esposo.

Enfim, toda a composição criada pelo escultor reforça a idéia de unidade e harmonia familiar: a esposa tem um olhar tranqüilo e abraça o esposo de modo carinhoso Seneb é representado com as pernas cruzadas, uma posição comum aos escribas que apoiavam o suporte de sua escrita sobre as pernas cruzadas quando trabalhavam nos inúmeros registros que realizavam. O ofício da escrita era restrito a poucos e, por isso, os escribas eram profissionais muito respeitados no Antigo Egito. Assim, ser representado como escriba indicava que a pessoa era culta.

Seneb como você deve ter percebido era anão. Mas isso não era algo que o escultor considerou importante destacar. Ao contrário, nessa escultura a cabeça de Seneb foi posta no mesmo nível do de sua esposa e seus filhos representados posicionados logo abaixo dele (no lugar de suas pernas) desviam a atenção do/a observador/a do nanismo daquele nobre.

Seneb não foi o único indivíduo portador de nanismo a ser representado de modo respeitoso (na medida em que sua escultura é semelhante à de outros indivíduos nobres e/ou socialmente valorizados no Egito Antigo). Os pesquisadores da Universidade de Georgetown encontraram nas paredes de cerca de 50 tumbas várias imagens de anões, assim como em pinturas de vasos, em estátuas e em outras manifestações artísticas e, nenhuma delas, estava fora das convenções que os artistas utilizavam para representar indivíduos sem nanismo.

Os egípcios conviviam tranquilamente com os anões e a eles devotavam grande respeito. A sociedade egípcia chegava mesmo a cultuar deuses anões: Bes e Ptah. O primeiro era o protetor da sexualidade, do parto, das mulheres e crianças. Seu templo foi escavado recentemente no oásis de Baharia, na região central do Egito. Ptah era associado à regeneração e ao rejuvenescimento.

Ou seja, ambos os deuses anões na sociedade do Antigo Egito eram associados a aspectos muito positivos: proteção e regeneração. Assim, para os egípcios, uma pessoa possuir baixa estatura e membros mais curtos que a média não era uma barreira intransponível para exercitar uma série de cargos valorizados por aquela sociedade e ser respeitada socialmente.12

Ainda durante a Idade Média e Moderna em algumas cortes, alguns anões eram respeitados e chegaram a ser 'os olhos e ouvidos' do rei. Mas no decorrer da Moderna, quando o nanismo se tornou uma doença mais conhecida, a relação de respeito com os anões mudou. Vários deles, tratados como uma excentricidade, foram explorados comercialmente para divertirem os espectadores das feiras e teatros, para serem acompanhantes 'brinquedos' de crianças nobres ou atuarem como bobos da corte nos reinos da Europa.

Repare a diferença na representação dos anões nesta outra imagem:

http://www.mystudios.com/art/bar/velazquez/velazquez-las-meninas.jpg
La Familia de Felipe IV ou "Las Meninas". Óleo sobre lienzo: 3,18 x 2,76 mts. Pintura Espanhola (Século XVII)

Velázquez realizou esta pintura em 1656 e ela se manteve nas dependências do Alcázar de Madri até o incêndio de 1734. Voltou ao Palácio Novo edificado sobre o solar incendiado. No começo do século XIX, a referida obra foi para o acervo do Real Museu de Pintura e Escultura (atual Museo do Prado) juntamente com outras obras procedentes da coleção real. Os inventários reais deram a esta pintura diferentes denominações: "La Señora Emperatriz con sus damas y una enana" (1666) e "La familia del Señor Rey Phelipe Quarto" (1734). Já no Museo do Prado, no catálogo redigido por Pedro de Madrazo, em 1834, a obra foi chamada pela primeira vez "Las Meninas" - expressão de origem portuguesa com a qual se designava as acompanhantes de crianças reais no século XVII. Dados extraídos de: e . Acesso 23 mai 2008.

Esta pintura de Velásquez pertence à sua fase denominada "La Familia", na qual o artista espanhol dedicou-se a representar cenas cotidianas. A cena dessa obra transcorre dentro de uma grande sala do palácio de Alcázar de Madri, decorada com uma série de quadros.

No centro da tela, o pintor destaca a pequena Margarita, da Áustria, cercada por sua corte de damas e criados. As damas (las "meninas") Isabel Velasco e Agustina Sarmiento reverenciam a pequena infanta à direita da tela vemos representados os irmãos anões María Bárbola e Nicolás Pertusato, este brincando com o mastim que dorme a seus pés. Atrás deles, na penumbra, aparecem Marcela de Ulloa e um cavaleiro não identificado. À esquerda da cena central, Velázquez se auto-retrata com seus instrumentos de trabalho em frente a uma grande tela que ocupa todo o ângulo do quadro.

No fundo do grande salão retratado na tela, junto a uma porta aberta, encontra-se dom José Nieto de Velázquez, alto funcionário da rainha, responsável pela boa ordem dos aposentos do palácio. E, finalmente, próximo ao centro da tela, no ponto de fuga, o/a observador/a pode ver um espelho, no qual aparecem refletidas as figuras dos reis Felipe IV e Maria da Áustria.

Diferente da escultura egípcia do Antigo Império que retratou Seneb e sua família sem dar destaque ao nanismo, os anões das cortes européias do Antigo Regime, figuras tão populares como os palhaços, são facilmente identificáveis nesta pintura. Especialmente María Bárbola, que muito embora fosse a anã mais popular da corte de Felipe IV e uma figura cuja presença servia para divertir as crianças nobres, foi retratada por Velázquez vestida com cores escuras e sem adereços. O pintor exagerou seus traços, tornando-os grosseiros, destacando a cabeça aumentada e retratando María Bárbola como se fosse uma jovem apática, sem expressão.

A figura da anã contrasta-se propositadamente com a representação delicada e bela com que o pintor retratou a pequena infanta Margarita. A tela, assim, simboliza a grande mudança de como passaram a ser vistos e retratados os anões na sociedade moderna: seres esdrúxulos e bizarros, que embora tivessem a altura de uma criança, não tinham sua graça e beleza.

No século XIX, os anões, juntamente com outras pessoas muito altas, (em relação aos padrões costumeiros da estatura média populacional do período) ou ainda com mulheres, homens e meninos-lobos14 e outras pessoas com doenças incomuns que provocavam deformidades, eram expostos geralmente enjaulados como animais em circos e serviram como entretenimento nos espetáculos de variedades. Os olhos curiosos e ávidos dos espectadores consumiam anões e todas as pessoas diferentes do padrão como seres bizarros, esdrúxulos, grotescos, esquisitos, exóticos e, não raro, divertiam-se com seus sofrimentos.


4. É preciso 'pensar grande' para combater os preconceitos e exclusões

"O meu casamento foi de pobre mais muito importante. Cheguei no carro do presidente da Assembléia com batedor e tudo, a turma queria ver os noivos e subiam nos bancos, e o padre:
"Pessoal! Desçam do banco, isso é um casamento normal igual a qualquer outro."
(João de Araújo, casado com Isis Nunes de Araújo em depoimento no documentário Criaturas que nasciam em segredo).

Quando nos tornamos adultos não desejamos mais ser tratados como crianças, apreciamos ser respeitados como pessoas maduras, responsáveis.

Entretanto, os anões têm de enfrentar adultos medianos ridicularizarem sua pequena estatura, tratarem-nos de modo infantilizado ou ainda enxergá-los como objeto de curiosidade.

Na idade adulta a estatura dos anões varia de 70 cm a 1,30 m.

Além dos diferentes problemas de saúde que os portadores de nanismo têm de enfrentar devido à aconlasia e a falta de acessibilidade, por serem pequenos, em relação à média da população adulta e não terem as medidas proporcionais, distanciando-se dos padrões convencionais de beleza, estatura, peso etc., são ainda mais estigmatizados.

Por isso, para essas pessoas é preciso 'pensar grande' para poder enfrentar tantos desafios.

'Pensar grande' é o lema da Associação de Gente Pequena dos Estados Unidos.

Esta associação agrega os portadores de nanismo ou 'little people' (gente pequena), que é como os aconlásicos estadunidenses preferem ser denominados.

Em 1981, no Brasil, à semelhança da Gente Pequena estadunidense, um grupo de pais de filhos com nanismo criou a Associação Brasileira Pró-nanismo - Gente Pequena. Infelizmente a entidade ficou inativa por mais de mais de 20 anos e só foi reorganizada em 2004, com o nome de Associação Gente Pequena do Brasil. A principal atividade desta associação é divulgar informações e orientar pais e interessados sobre as questões que envolvem o nanismo.

4.1. Ver e ser vistos sem preconceitos

"No que eu estou saindo a molecada começou a me (...), apedrejar. Então, eu fui obrigado a abandonar a escola por motivos de agressões."

(Depoimento de José A Ventura, o Tatuzinho, no documentário Criaturas que nasciam em segredo)

"Eu fui à escola com nove anos de idade, a minha mãe demorou a me matricular na escola, exatamente para não me expor, porque eu era uma criança diferente."

(Depoimento de Joceli Lopes (Jô) no documentário Criaturas que nasciam em segredo)

Ao longo da História a condição de baixa estatura dos anões foi espetacularizada nas feiras medievais, passando pelos circos, shows de variedades, em programas humorísticos de TV e mais recentemente no cinema pornográfico.

Cada vez mais a AGPB recebe reclamações sobre o desrespeito em relação aos anões expressos na mídia e reúne esforços para coibir a veiculação de preconceitos e para lutar por direitos para os portadores de nanismo.

Mesmo assim, as memórias de infância de Jô e Tatuzinho, destacadas acima, foram experimentadas por muitos outros anões, em um passado recente.

Eles tiveram negado o direito de ir à escola tão somente pelo fato de ter menos que 1,30 m. Tatuzinho foi apedrejado pelo estranhamento dos outros em relação ao seu déficit de altura!

Hoje a agressão física pode ser denunciada à polícia e o Estado tem mecanismos mais eficientes para coibi-la, entretanto, isso não impede que os anões continuem sendo alvo de agressões morais que entristece e deprime qualquer pessoa.

O médico João Tomazelli informa que o número de suicídios entre os anões é elevado. "Não raro temos notícia de um anão que se suicida, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Eles ficam escondidos e se tornam 'invisíveis', dificultando a inclusão social"15.

Depois de ouvir os depoimentos dos portadores de nanismo no documentário Criaturas que nasciam em segredo, não é difícil entender por que alguns anões preferem evitar o convívio com os não anões.

As atitudes preconceituosas em relação aos portadores de nanismo ampliam o isolamento deles. Mas o descaso em relação aos problemas enfrentados pelos aconlásicos também é uma forma de torná-los invisíveis socialmente.

A invisibilidade social dos portadores de nanismo no Brasil é tão imensa que sequer existem estatísticas sobre a quantidade de aconlásicos no país.

Mesmo em grandes centros não existem programas e campanhas voltados para preparar servidores públicos para atender os portadores de nanismo. Há profissionais como assistentes sociais que sequer sabem o que significa o termo Aconlasia16 e médicos que nunca atenderam um anão e não conhecem as especificidades da doença para realizar atendimento e tratamento adequado aos portadores de nanismo.

4.2. Ser solidário/a aos portadores de nanismo, apoiando sua luta por acessibilidade e pela melhora de qualidade de vida

"A sociedade deve entender que o nanismo só difere na estatura das pessoas consideradas normais, pois sua capacidade é igual a de todos. Informando-se mais a sociedade, melhora-se a situação social da pessoa que possui nanismo"

Hélio Pottes, publicitário e presidente da AGPB (Associação de Gente Pequena do Brasil).

O curta 'Criaturas que nasciam em segredo" traz uma série de imagens e depoimentos sobre a falta de acessibilidade nos espaços públicos para os anões. No documentário podemos acompanhar cenas de Tatuzinho atravessando com dificuldades uma grande avenida da cidade de São Paulo, subindo com esforço uma enorme escadaria e nos relatando sobre a impossibilidade de colocar as fichas no orelhão para fazer uma ligação telefônica o que o obrigava a depender da boa vontade de desconhecidos para realizar essa simples ação.

Tatutuzinho relata-nos também sobre as dificuldades de se manter equilibrado em um ônibus cheio em movimento, pois não alcança as barras para se apoiar.

Embora o filme tenha sido lançado em 1995 e algumas conquistas tenham sido alcançadas como a do posicionamento de orelhões em altura adaptada aos cadeirantes e anões, ainda existem muitos desafios a ser enfrentados.

Ambientes, produtos, mobiliário e serviços de uso público e ou doméstico são projetados para pessoas de estatura mediana tornando, por exemplo: caixas eletrônicos, balcões de atendimento, prateleiras de supermercados, mesas, cadeiras, bancos, camas, estantes, armários, degraus, ônibus, automóveis e uma infinidade de objetos e lugares inacessíveis ou inadequados para as pessoas de baixa estatura.

O que o poder público pode fazer em relação a isso, para que o mundo atual comporte as pessoas pequenas?

Segundo Tomazelli há formas de melhorarmos a qualidade de vida e facilitar a inclusão social dos portadores de nanismo. A natação, musculação e hidroginástica - esportes de baixo impacto - que não desgastam tanto as articulações, auxiliam o controle da obesidade e estimulam o convívio são bastante indicadas.

O geneticista Sérgio Pena afirma que com aconselhamento profissional apropriado, as pessoas de baixa estatura podem levar uma vida semelhante às pessoas sem nanismo. Ele ressalta ainda que os anões são representantes produtivos da sociedade.

E o que nós, pessoas sem nanismo, podemos fazer? Informar-se, conhecer mais sobre o nanismo, suas causas e principalmente combater os preconceitos, solidarizando-se com os aconlásicos e suas lutas é um modo de contribuirmos para melhorar a condição social dos anões.

Que tal para concluir este percurso visitar o site da Associação Gente Pequena do Brasil e outros sites relacionados no Item 5?

Você aprenderá muito sobre e com as pessoas pequenas. Pense grande!

Comentários
5. Para Saber mais:
Associação Gente Pequena do Brasil
Site do Little People of America
Sociedade de Pediatria do RJ
Nanismo e mercado de trabalho:
Nanismo e prática de esportes:
Entrevista com o geneticista Sérgio Pena:

Wikipédia, verbete Nanismo:

Pedagogo Autor do Plano de Aula
Conceição Oliveira


Formação: Especialização em História (lato sensu: História Social da Cultura:1990) pela Universidade Estadual de Campinas; Graduação em História pela Universidade de São Paulo (Licenciatura: 1990); Graduação em História pela Universidade de São Paulo (Bacharelado: 1987; Pedagogia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (2007).
Atividades Profissionais: Tem experiência na área de Educação e História, com ênfase no ensino fundamental, médio, na formação de educadores e produção de materiais didáticos; atuando principalmente nos seguintes temas: ensino de história (metodologia e prática), história africana e afro-brasileira, relações étnico-raciais e diversidade.Atualmente, além da reedição de suas obras didáticas trabalha com formação de professores e presta assessoria na área de produção de didáticos para projetos públicos e para o mercado editorial.
Publicações: É autora de várias coleções didáticas, dentre elas Paratodos-História (2º ao 5º ano Ensino Fundamental), Editora Scipione (Prêmio Jabuti 2005) e História em Projetos (6º ao 9º ano Ensino Fundamental), editora Ática, (melhor coleção do PNLD-2008).
Nível: Ensino Superior