5. Diferenciadas pelo capital econômico e pelo capital cultural
"Eu acho que o que eu posso fazer é depois de grande não trabalhar por aqui. Estudar muito pra aprender a ler e a escrever e saí daqui pra outro lugar."
(Geomar - trabalhador infantil de uma pedreira)
"Ah, eu acho que as outras crianças que não fazem, por exemplo, não fazem inglês estão um pouco em desvantagem né, que se elas quiserem viajar pro exterior para fazer uma faculdade, uma coisa assim, elas não vão ter a base pra falar."
(Ana Lívia)
A vida de Ana Lívia, Carolina, Beatriz e de outras crianças socialmente incluídas distancia-se da idéia de infância como uma fase onde "ser criança é não ter qualquer outro compromisso que vá além do gozo puro e simples de sua inocência". Essas crianças além das atividades escolares têm de seguir horários rígidos para cumprir as exigências que são impostas a elas: aprender inglês em escola de línguas, tênis, vôlei, balé, sapateado, ginástica olímpica, natação...
A exagerada rotina imposta a essas crianças permite realizar com os alunos uma discussão sobre o excesso de atividades que sobrecarregam as crianças pertencentes a determinados grupos sociais, especialmente aqueles cujas famílias têm maior poder aquisitivo. Esta é uma questão que preocupa pais, educadores, psicólogos, médicos, dentre outros profissionais. As agendas das crianças desses grupos podem ser comparadas a de grandes executivos, pois num único dia precisam cumprir horários rígidos para realizarem diversas atividades.
As polêmicas a esse respeito giram em torno das seguintes discussões: prejuízos à saúde, provocados pela rotina estressante imposta à criança que não tem tempo livre para brincar e se divertir sem se preocupar com horários o alto custo de cursos e atividades extra-escolares para o orçamento familiar a eficiência desses estímulos em idade tão precoce para aumentar as competências/habilidades das crianças etc.
Neste sentido, a vida dessas crianças se aproxima do mundo adulto, assim como a exposição delas aos valores e práticas de competitividade e consumo. Entretanto, crianças socialmente incluídas como elas, pertencentes a famílias com recursos financeiros, têm acesso a livros e outros bens culturais que lhes possibilitam, na vida adulta, terem maiores chances de escolhas.
Assim é importante problematizar que esta é uma realidade de um determinado grupo de crianças há outras que têm rotinas estressantes e estafantes porque são obrigadas a empregar o seu tempo para auxiliar na renda familiar e cuja agenda se aproxima a dos operários de fábrica. Esse é o caso das crianças como Geomar, Sivanildo, Zé Mário, Adriano e tantos outros meninos e meninas, cujo trabalho é explorado como se fossem adultos.
A vida dessas crianças é exemplar de como a infância de indivíduos socialmente excluídos está distante do modelo de infância como uma 'fase de ouro' da vida dos seres humanos. Suas vidas também nos revelam como direitos básicos que deveriam ser assegurados são sistematicamente negados a elas, raramente possibilitando que construam alguma alternativa de um futuro melhor.
Várias delas resistem à exclusão sistemática e insistem em freqüentar uma escola. Mas será que a diversidade de conhecimento, experiências e, portanto, de visão de mundo dessas crianças que carregam uma bagagem construída pela sua dura vivência e luta pela sobrevivência é considerada na escola?
Será que a escola consegue de fato fazer a diferença na vida de crianças como Geomar que deseja aprender e conseguir na vida adulta viver melhor do que viveu a sua infância de trabalhador infantil?
O que o mundo adulto, a sociedade civil, as autoridades públicas de nosso país devem fazer para garantir os direitos de infância para crianças como Sivanildo, Geomar, Zé Mário, Adriano...?
6. É preciso assegurar os direitos da infância a todas as nossas crianças
"Na época das grandes descobertas, o homem sonhou que o mundo poderia ser melhor. E tentou inventar um ser humano melhor, capaz de conduzir estes ideais juntamente com a sua vida. A invenção da infância fazia parte deste sonho." (Trecho final da voz off no documentário A Invenção da Infância)
Psicólogos, educadores, médicos dentre outros profissionais vêm chamando a atenção dos pais de classe média e a alta para que avaliem as agendas de seus filhos, reflitam sobre os inúmeros cursos, treinos e demais atividades extracurriculares que lhe são impostas desde a mais tenra idade. É preciso atentar para a idéia de que viver uma infância saudável é também ter tempo e espaço para brincar livremente.
Há também uma crescente discussão sobre a necessidade de os pais contribuírem para delimitar de modo mais claro as fronteiras entre o universo infantil e o adulto. Pois um mundo que iguala os não iguais, onde adultos 'partilham das mesmas informações, realidades físicas e virtuais com suas crianças', pode não assegurar a elas uma infância sadia, pode não conseguir protegê-las dos diversos riscos que as rondam.
A indústria de pedofilia na rede, por exemplo, é só um dos riscos visíveis que rondam muitas crianças que usam a Internet sem controle e acompanhamento de seus pais. Mas, as crianças estão cada vez mais expostas aos valores de consumo, a uma cultura audiovisual, especialmente aos programas de tevê, cujos interesses econômicos e financeiros se sobrepõem aos direitos da infância.
"É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-las a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão." (Artigo 227 da Constituição Federal).
As crianças de classe média e alta contam com recursos de suas famílias que garantem acesso a saúde, à educação, à alimentação, lazer, à cultura etc. E quanto às crianças brasileiras, cujo trabalho é explorado, que estão expostas à rotina estafante da produção, aos riscos de acidentes no trabalho como se fossem trabalhadores adultos? O que é necessário fazer para garantir os direitos delas?
Promotores, fiscais do Ministério do Trabalho e outras autoridades públicas, juntamente com vários sindicatos de trabalhadores e parcela cidadã da sociedade comprometida com a proteção e garantia do direito de nossas crianças vêm agregando esforços para coibir e punir todos aqueles que exploram o trabalho infantil.
Entretanto, isso não é suficiente. É preciso que o Estado e outras entidades desenvolvam políticas públicas eficientes que garantam a permanência na escola na escola, o acesso aos cuidados médicos e todos os demais direitos constitucionais também às crianças de famílias em situação de risco.
Em 1996, em Retirolândia, no sertão baiano, um dos municípios documentados no curta A Invenção da Infância, foram implementadas algumas ações positivas da sociedade civil para combater o trabalho infantil e favorecer a permanência das crianças de famílias de baixa renda nas escolas. Trata-se do projeto social Bode- Escola, financiado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Movimento de Organização Comunitária (MOC) - uma organização não-governamental -, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência (Unicef) e pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Retirolândia.
Esse projeto consiste no empréstimo de quatro cabras matrizes e um bode reprodutor para cada família que possua crianças menores de 14 anos trabalhando com sisal. Em contrapartida, os pais devem retirar as crianças desse trabalho e mantê-las na escola. O único trabalho permitido às crianças do projeto Bode-Escola é cuidar das cabras. Após quatro anos, as cabras matrizes devem ser devolvidas. No início, o projeto selecionou cinqüenta famílias, atendendo cerca de duzentas crianças. Dois anos depois de sua implementação, o Bode-Escola já apresentava resultados positivos. A grande vantagem é a garantia de geração de renda para as famílias, dissociada do trabalho infantil e vinculada à ida das crianças à escola.
Que tal agora pesquisar sobre outros projetos ou políticas públicas implementados pelo Estado ou por entidades da sociedade civil?
Procure conhecer os programas de renda-mínima ou transferência direta de renda como o Bolsa-Família ou o programa desenvolvido pela Fundação Abrinq chamado Prefeito Amigo da Criança.
Depois faça campanhas de esclarecimento na escola sobre ações de combate infantil e de proteção à infância.